"Devir nunca é imitar. Quando Hitchcock faz o pássaro, ele não reproduz nenhum grito de pássaro, ele produz um som eletrônico como um campo de intensidades ou uma onda de vibrações, uma variação contínua, como uma terrível ameaça que sentimos em nós mesmos. E não são apenas as "artes": as páginas de Moby Dick valem também pela pura vivência do duplo devir, e não teriam essa beleza de outro modo. A tarantela é a estranha dança que conjura ou exorciza as supostas vítimas de uma picada de tarântula: mas, quando a vítima faz sua dança, pode-se dizer que ela está imitando a aranha, que identifica-se com ela, mesmo numa identificação de luta "agonística", "arquetípica"? Não, pois a vítima, o paciente, o doente não se torna aranha dançante a não ser na medida em que a aranha por sua vez é suposta devir pura silhueta, pura cor e puro som, segundo os quais o outro dança. Não se imita; constitui-se um bloco de devir, a imitação não intervém senão para o ajuste de tal bloco, como numa última preocupação de perfeição, uma piscada de olho, uma assinatura. Mas tudo o que importa passou-se em outro lugar: devir-aranha da dança, à condição de que a aranha torne-se ela mesma som e cor, orquestra e pintura.".
.
Fonte: Da Contracapa do Mil Platôs, Vol. 4, Deleuze & Guattari
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário